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Por Marisa Meliani* Depois de duas décadas, o movimento de rádios livres brasileiro apresenta um resultado que ajuda a mostrar a cara deste país. Milhares de rádios "comunitárias", filhas das rádios livres e em processo de legalização, transmitem suas programações não-autorizadas em todo o território nacional e incluem, bem ou mal, novas vozes na interlocução social. De importância mais quantitativa do que qualitativa, elas seguem produzindo micro-rupturas no sistema de comunicação social, adotado particularmente após 1964 e cuja estrutura sobrevive a despeito das novas tecnologias. Contra esse modelo do mega, que adota a emissão unilateral e em rede a partir de grandes centros urbanos (adequada ao controle político e ao consumo nacional), as pequenas rádios parecem querer construir uma nova e mais moderna forma de se comunicar: emissão e recepção próximas do cidadão e de sua realidade; informação e conteúdos mais necessários à cidadania; e movimentação subterrânea da economia e cultura locais. Parecem querer construir porque muitas dessas rádios ditas comunitárias, que hoje disputam espaço no dial, são objeto apenas de desejos e projetos de poder político, financeiro e religioso de pessoas e grupos. Raríssimas exceções servem como contraponto ao modelo arcaico, e são exatamente essas que interessam a um país como o Brasil, carente em educação e informação. Cabe aqui uma reflexão sobre a natureza do meio e a história das rádios livres. O rádio é o meio de comunicação de maior alcance e o que mais se presta à formação de opinião pública, especialmente entre as populações de menor poder aquisitivo e de regiões distantes dos centros urbanos. Ele facilita a recepção porque libera o ouvinte para outras tarefas, diferente da TV e da Internet. É peça fundamental do ciclo da indústria cultural, sendo base de lançamento de modismos e tendências musicais. Além do poder que tem, o domínio de sua técnica é fácil e barato. Por isso, sair da condição de ouvinte para a de emissor tem sido prática que acompanha a história da radiodifusão. No mundo, as rádios livres produziram mudanças importantes nos sistemas de comunicação de vários países e, em muitas regiões, foram e são peças de resistência em lutas de guerra e de guerrilhas. No Brasil, surgiram como movimento na década de 80. Nos 90, após decisão inédita da Justiça Federal que absolveu Leo Tomaz, da Rádio Reversão (SP), com base no Artigo 5º da Constituição, as pequenas rádios espalharam-se como rastilho de pólvora por todo o país. No processo de organização, foram batizadas de rádios comunitárias (de cima para baixo) e partiram em busca da legalização. Nesta fase atual de acomodação, natural em todos os movimentos de rádios livres, é útil diferenciar as emissoras de baixa potência conforme seus interesses. Rádio comunitária é aquela feita pela e para a comunidade, que faz circular cultura e informação localizadas sem fins lucrativos. Rádios piratas ou comerciais são pequenas empresas em busca de lucro que reproduzem a mídia tradicional e oficial. Rádios proselitistas são instrumentos de pregação religiosa ou partidária, comerciais ou não, interessadas em divulgar crenças, políticos ou partidos. Sobre todas essas manifestações, paira a rádio livre, que deve ser entendida como movimento pela liberdade de expressão e pelo direito de interferir na comunicação social, tornando-a mais democrática. Todas essas emissoras que se legalizam, que se perpetuam, são desmembramentos do movimento de rádios livres e representam um primeiro assentamento de novas vozes na sociedade e no sistema. Passada a legalização, uma nova onda de transmissões não-autorizadas deverá surgir, porque esse fenômeno de comunicação faz parte do desejo humano de liberdade e democracia. Por fim, resta aguardar o resultado das concessões das rádios comunitárias, conferir quem ganha o direito de falar e verificar se os conteúdos virão para oxigenar ou não o sistema de comunicação. De qualquer forma, acompanhar a legalização será um exercício interessante para identificar as relações de poder e os interesses que se estabelecem neste país. Será a chance de revelar um pequeno retrato da cara do Brasil. *Marisa Meliani, Todos os direitos reservados à autora. É permitida a reprodução desde que citada a fonte. A função social da rádio comunitária Marisa Meliani
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